Este post foi publicado pela farmácia Doce Dia, muito interessante e emocionante, estou compartilhando com vocês.
O emocionante relato de uma mãe sobre o diabetes
Por Marlene Salete Batiston Corrêa
Marlene é pedagoga aposentada e mãe de Bianca Batiston Corrêa Moribe, diabética do tipo 1,
farmacêutica e proprietária da Farmácia Doce Dia
"O Diabetes nos acompanha há quase 25 anos, e, graças a ele, passamos a enxergar
a vida e o mundo de maneira diferente. Sentimos muito orgulho de nossa filha, e
acreditamos que o diabetes não a “escolheu” por acaso, pois sua missão é levar o conforto,
a tranquilidade e o conhecimento a todos que convivem com este problema que atinge
milhares e milhares de pessoas no mundo todo."
Tudo ocorria normalmente em nossas vidas, quando em meados do mês de novembro
de 1988, nossa filha Bianca começou a emagrecer consideravelmente. Aos nossos olhos,
porém, e aos palpites dos familiares e avós, parecia ser normal para uma infanto-juvenil de
8 anos, fase em que
a criança começa a ganhar altura. Mas, como coração de mãe sempre pressente quando
algo errado está acontecendo, não via a hora de entrar em férias para poder acompanhá-la
melhor, estar ao seu lado observando-a no dia-a-dia, uma vez que não apresentava febre e se
alimentava bem, porém o seu emagrecimento rápido nos preocupava.
As tão esperadas férias chegaram, e a família decidiu passar alguns dias em uma estância de
águas termais no Rio Grande do Sul, e foi nesta viagem que observamos melhor o que
estava acontecendo com nossa filha. Como neste local não havia muita disponibilidade
de água mineral comum, mas sim somente de água mineral salobra, meu esposo Antonio não
vencia comprar tanta água, pois Bianca tomava litros e litros seguidos, e constantemente
queixava-se de muita sede e que sua boca estava sempre seca. Sem falar nas suas
constantes idas ao banheiro para urinar, devido ao grande volume de água que tomava.
Então, meu esposo começou a desconfiar do possível diagnóstico de Diabetes, porém nada
nos falou para não nos preocupar. Queria ter um melhor acompanhamento para ter certeza,
uma vez que nosso trabalho nos absorvia muito e não estávamos ao lado dela as
24 horas do dia. Ela era determinada o suficiente para cuidar de suas necessidades
primordiais, como comer nas horas certas e ir ao banheiro quando necessitava, por isso
talvez não tínhamos observado antes tais sintomas.
Após um dia repleto de atividades na piscina com seu irmão Felipe e seus primos, notamos
que ela começou a ficar “jururu”, e apresentou uma certa dificuldade para andar. Notamos
que ela tropeçava constantemente e demonstrava muita fraqueza, então resolvi alimentá-la
melhor e, sem saber se estava agindo corretamente, coloquei-a numa rede, dei a ela
pêssegos em calda e preparei um lanche bem reforçado para que ela se sentisse mais forte,
pois para mim ela estava apenas com uma fraqueza. Após o diagnóstico do médico, soube
depois que ela estava entrando em cetoacidose e já estava em jejum metabólico, por isso
tamanha fraqueza.
Percebemos que o estado de nossa filha cada vez piorava mais, e nada do que
fazíamos resolvia, então resolvemos antecipar a nossa volta (com meu filho bastante
contrariado), pois nossa preocupação com a saúde dela era muito grande.
No dia seguinte a levamos ao consultório do médico da família, e ele, ao ouvir nosso relato,
categoricamente afirmou que a Bianca estava com diabetes tipo 1. Porém, solicitou alguns
exames para se certificar, e no outro dia, ao chamar meu esposo novamente em seu
consultório para dar o diagnóstico, tivemos a certeza. Então, ele nos encaminhou
para um médico endocrinologista na cidade de Chapecó (a aproximadamente 170Km de
São Miguel do Oeste, onde morávamos), pois ainda não existia esta especialidade em
nossa cidade, e ela era bastante rara até mesmo em cidades grandes.
De posse dos exames, meu esposo exitava em chegar a nossa casa. Passava várias e várias
vezes em frente e não tinha coragem de entrar, e nossa ansiedade só aumentava. Até que
ele entrou em casa e nos contou qual foi o diagnóstico. Neste momento, o céu, o sol, a lua,
o mundo parece que caíram em cima de nós. Bianca chorava sem parar e só afirmava que
não poderia mais comer sorvete, chocolate, não poderia mais tomar refrigerante e comer
todos os doces que toda criança adora, e se questionava sobre como seria a convivência
com as outras crianças de sua escola. O que diriam de ela não poder comer o mesmo que
eles nas festinhas de aniversário e nos piqueniques da escola... Uma enxurrada de perguntas
sem respostas começou a cair sobre nós.
Era demais para mim uma criança naquela idade ter que passar por isso. Como?...
Se tínhamos mais um filho também criança, e não podíamos fazer distinção entre eles.
Naquela época não existia nada diet, a não ser a gelatina (com sabor horrível, diga-se de
passagem) e uns sucos em pó que eram bastante amargos. Sem falar nas injeções de
insulina que ela teria que tomar... Meu Deus, como foi difícil para nós!
Em sua primeira consulta com o endocrinologista, um médico libanês de uma psicologia
e presteza ímpar (jamais o esquecerei, pois ele era bastante firme em seus conhecimentos,
transmitia muita confiança em sua linguagem e tinha um pensamento bastante moderno para
a época, e para nós isso foi essencial na aceitação da diabetes), nossa filha soube que teria
uma vida normal, como qualquer outra criança, e que o seu problema de diabetes não a
impediria de crescer saudável e de ter uma vida longa e feliz. Apenas teria que ter um maior
cuidado com a sua alimentação, teria que aplicar a insulina nos horários
recomendados e monitorar constantemente a sua glicemia.
Como o tempo era curto demais para absorvermos tantas informações em uma consulta, ele
nos ofereceu um livro chamado “Diabetes Sem Medo” para que lêssemos e
aprendêssemos mais sobre o problema. O livro era um relato do próprio autor, um médico
que descobriu ser diabético ao realizar um teste de glicemia por curiosidade. Ele nos
ofereceu também outros textos e reportagens sobre os cuidados básicos na aplicação
de insulina, sobre a cetoacidose diabética, sobre a importância da prática de atividades
físicas pelo diabético e sobre como identificar uma hipoglicemia e uma hiperglicemia.
Bianca ficou internada durante uma semana para monitoramento e regularização de sua
glicemia, e no hospital recebeu bastante dicas dos médicos e do pessoal de enfermagem
sobre como deveria ser sua dieta, como deveria ser feita a aplicação da sua insulina, e isto
foi muito importante para nós.
As primeiras seringas eram de vidro e precisavam ser esterilizadas a cada aplicação. Apenas
as agulhas eram descartáveis. Uma mocinha que trabalhava em nossa casa como babá das
crianças e morava conosco, e que também fazia curso de Técnico em Enfermagem
foi também muito importante para que a Bianca aprendesse a fazer sozinha as suas aplicações
de insulina com todos os devidos cuidados de higienização, contribuindo muito para a sua
independência. Ela foi maravilhosa e nos dava muita força e transmitia muita tranquilidade,
fazendo com que o medo na hora das aplicações fosse minimizado.
Recordo-me que minha apreensão era enorme, e o medo de ficar sem insulina era tamanho
(elas não eram vendidas em qualquer farmácia, e em nossa cidade não havia nenhuma
que tivesse em seu estoque) que na saída da primeira visita ao endocrinologista em Chapecó
comprei logo uma caixa com 12 frascos de insulina (mãe sem experiência , aí já viu!).
Quando terminamos o segundo frasco, todos os outros já estavam para vencer dali um mês,
então tivemos que doar todos aqueles frascos a um hospital de nossa cidade!
Para os testes de glicose, na época apenas existia aquela fita reagente que media na urina,
e nosso médico nos disse que ela somente mudaria de cor quando a glicose no sangue
estivesse em pelo menos 180mg/dl. Era muito difícil, pois os testes não eram precisos, e
somente quando surgiu o Haemo Glucotest que começamos a fazer os testes com sangue,
mas mesmo assim ainda tínhamos que comparar os resultados pelas cores que apareciam no
tubo das tiras.
Eram tantas perguntas, tantas dúvidas, tantos telefonemas para o médico, que
sempre nos atendeu prontamente... Procurava ler bastante, visitava feiras de livros e produtos
para diabetes, e conhecia todos os recursos para o tratamento. Não tinha o que não
buscássemos para melhorar o bem estar da nossa filha. As leituras nos ajudavam bastante, uma
vez
que morávamos longe dos familiares e eles nos faziam falta em vários momentos de nossas
vidas. Tínhamos apenas um ao outro e a nossos filhos. Nosso filho Felipe também
participava de nossas angústias e procurava se interar de todos os assuntos relacionados ao
diabetes. Numa ocasião em que estávamos no mercado eu e ele, eu disse a ele que escolhesse
qualquer doce que ele quisesse, pois a irmã não estava junto, e então não haveria nenhum
problema se ele comesse algo com açúcar. Mas ele, em solidariedade à irmã, me disse: “mãe,
não precisa, se a Bianca não pode comer, eu também não posso, pois se para ela faz mal,
para mim também pode fazer!”. Isto mexeu muito comigo e me emociono até hoje ao lembrar!
Numa ocasião em que encontramos a Bianca em coma hipoglicêmico meu filho foi muito
importante para que tudo corresse bem, foi a primeira vez em que a encontramos assim.
Meu esposo estava viajando a trabalho, e quando fui acordá-la pela manhã para ir à escola,
encontrei-a de bruços, inerte, muito pálida, com os olhos abertos e os dentes e as mãos
cerrados. Com muito custo conseguimos abrir sua boca para colocar um tablete de
glicose instantânea embaixo de sua língua. Só me lembro que eu e Felipe a carregamos para
o carro, e eu voei para o hospital. Enquanto isso, meu filho segurava o tablete de glicose na
boca da irmã, e ao chegarmos no hospital ainda queriam esperar pelo bioquímico para colher
sangue e fazer o exame. Só sei que invadi a copa do hospital, tomei o açucareiro da mão da
copeira e corri para o quarto para dar água com açúcar para minha filha. Após ela ter
tomado a água com açúcar eu peguei o carro e busquei o aparelho da Bianca, e chegando de
volta ao hospital fizemos um teste. Deu 19mg/dl. Então demos a ela mais água com açúcar,
e aos poucos ela voltou ao normal. Ela teve várias convulsões e não conseguia falar.
Isso nos deixou desesperados. Mas, mesmo assim continuamos a dar o açúcar para ela, até
que ela voltou ao normal. Quando o médico chegou no quarto para vê-la, ela já estava sentada
na cama rindo! Então o médico me chamou de supermãe!!
Através da convivência com nossa filha ao longo destes anos, das experiências e
conhecimentos ganhos, hoje eu posso dizer que somos muito felizes por termos abraçado
esta causa, e que nossa filha cresceu feliz, rodeada de pessoas que lhe deram muito amor
e carinho, sendo sempre uma criança estudiosa, tanto na área da ciência como na área da
música. Ficamos supertranquilos quando ela foi morar no exterior, pois sabíamos que
ela era bastante independente, preparada e capaz de cuidar de si mesma. Bianca formou-se
em Farmácia, fez mestrado e hoje lida com pessoas que têm o mesmo problema que ela.
O diabetes não a impediu de ter uma vida normal, e, pelo contrário, somente fez com que ela
se tornasse esta pessoa maravilhosa que é hoje! Sempre preocupada em levar a todos os
diabéticos maiores esclarecimentos a respeito deste problema (que nós não consideramos
uma doença, mas sim uma disfunção), inspirada naquilo que ela mesma viveu.
O Diabetes nos acompanha há quase 25 anos, e, graças a ele, passamos a enxergar a
vida e o mundo de maneira diferente. Sentimos muito orgulho de nossa filha, e acreditamos
que o diabetes não a “escolheu” por acaso, pois sua missão é levar o conforto, a tranquilidade
e o conhecimento a todos que convivem com este problema que atinge milhares e milhares
de pessoas no mundo todo.
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